não era boa
bisca. Depois, ele, Abel, com o valor levantado, teria sua paga por
todas as
injúrias, as batalhas solitárias em prol da empresa de câmbio e
valores. A
mansão tinha muitos cômodos, alguns desativados ou nunca vistos,
além de partes
do sótão vazias. Alguns lugares abandonados há tempos. Num
desses espaços
mais distante e recluso, se instalou de maneira segura. Montou
uma extensão
do aparelho telefônico para ouvir sem precisar ser ouvido, no
sentido de
acompanhar as atitudes ocasionais pela reação da família, caçou um
binóculo
antigo, um gravador de rolo, finalmente sumiu de circulação, ilhado
dentro de casa
mesmo, mas fora do convívio do lar. Depois deu telefonemas
com voz
alterada, deixando mensagens no gravador a respeito de preços,
locais,
exigências, ainda, em seguida, cartas escritas com letras arrancadas de
jornais
velhos. Em pouco tempo os pais souberam-no refém, correndo risco de
vida, em
perigo, como bem articuladamente ameaçara, e até lidaram bem com
a questão do
resgate alto. Em poucos dias, com muito tato e lucidez, numa
negociação
espúria, forjada, mas decidida com competência que se lhe era
peculiar,
vendeu sua própria liberdade, já sondando, entusiasmado, voltar para
casa e ser
recebido com baita festa, como o seu irmão o fora. Estava na
expectativa. O
pai, generoso, não pechinchara um tostão, uma pataca. Tal fora
o crime
perfeito, que pode receber tranqüilamente o dinheiro exigido e ainda
pode aplicar,
com competência, em bancos suiços. Depois de telefonemas em
códigos,
transferindo o quantum, recebeu a senha da conta em Viena, Áustria.
Valia bem mais
que os anos de dedicação exclusiva a manter o rico acervo do
clã. A
importância, alta, seria uma espécie de salvo conduto, caso o irmão
arredio
continuasse a dilapidar o patrimônio da família, fazendo estrepolias,
besteiras.
Resolveu então, de fingir que voltava para casa, já que esperava uma
festança e
tanto. Se um filho pródigo desmiolado tivera um forfé, imagine ele,
então, um
seqüestrado? Mas, ponderou, não podia simplesmente sair dali de
um cômodo
secreto e ir para o seu aposento. Teria que pensar bem, ser
discreto,
caprichar no final feliz de sua bem montada orquestração. Os detalhes
finais tinham
que ser matematicamente calculados; tinha que agir com frieza,
não estragar
tudo com improvisos impensados. Esperou os parentes se
recolherem à
noitinha, e saiu pela rua a fora, sem fazer alarde ou se dar ali no
palco do lar.
Ganhou a alameda livre, sem lenço e sem documento, barba por
fazer, mal
asseado. Assuntou: iria para uma descalça periferia qualquer de São
Paulo perdida
em violência e dezelo público, lá se enturmaria de arranjo,
pegaria cheiro
de gente simples, pisaria o barro da pobreza, estaria entre
esgotos e céu
aberto, ganharia a estampa de um chulo e surrado, pobre,