Nunca fui inimigo do Feminismo, do movimento que defende o direito da mulher se igualar ao homem. Para mim o Machismo é estupidez, falta de inteligência.
Há pouco tempo entrei num taxi e sentei-me ao lado da motorista. Sim, da motorista, uma bela e jovem mulher. Eu quis saber se devia chamá-la de senhora ou senhorita. Respondeu-me:
-Senhorita.
Com absoluta seriedade, apesar de a taxista exibir um decote perturbador e um vestido curto, que permitia a visão clara de suas pernas magnetizadoras, indaguei se os taxistas a respeitavam, se ela não era vítima do preconceito, por parte deles:
-Não, sou respeitada.
Identifiquei-me como escritor e jornalista e continuei a conversar, sem me atrever a olhar para o seu decote e para as suas pernas, a fim de não ser mal interpretado, pois conheço os meandros, os recônditos sombrios, as complexidades da alma humana. Percebi, no entanto, que ela me olhava algo desconfiada. E o taxi corria. De repente a moça perguntou:
-O senhor é machista?
Surpreso, fui objetivo:
-Não, não sou machista. Acho que a mulher e o homem devem ter direitos iguais.
A conversa prosseguiu, sempre em tom respeitoso, mas logo ouvi:
-O senhor tem certeza de que não é machista?
Ainda espantado, soltei estas palavras:
-Por que a senhorita voltou a fazer a pergunta?
Elucidou, com o seu olhar desconfiado:
-É porque a sua voz é firme, forte, grossa.
Tranquilo, expliquei:
-Senhorita, não é pelo fato de eu ter voz firme, forte, grossa, que posso ser rotulado de machista. Se for assim, para não serem vistos como machistas, todos os homens devem falar fino como as mulheres ou como os gays…
Notei que a minha resposta a perturbou. Aí, nesse momento, irrompeu a seguinte frase de sua boca:
-O senhor não é mesmo machista, tem certeza?
Respondi, espantadíssimo:
-Eu me mostrei inconveniente, bruto, machista, disse alguma coisa que a melindrou?
-Não, o senhor é educado, um cavalheiro, mas e se eu lhe desse agora uma bofetada?
A minha surpresa atingiu o auge:
-Dar em mim uma bofetada? Por qual motivo?
-À toa, sem nenhum motivo.
Fitei-a com olhar sereno e disse:
-Prezada jovem, deixe-me explicar. Ser feminista não é pisar em cima do homem, castigá-lo, humilhá-lo sem qualquer razão. E a senhorita é tão moça, tão bonita, não permita que a sua beleza, e a da sua mocidade, formem um vivo, um acentuado contraste com palavras feias, infelizes, despropositadas.
Ela empalideceu, ouvindo isto. E acrescentei:
-Por favor, senhorita, por favor, não me faça duvidar da sua inteligência!
Esta última frase abalou-a e ela gemeu, soluçou, debulhou-se em lágrimas:
-Ai, meu Deus, como fui burra! Estou tão arrependida! Eu não sabia que o senhor é inteligente, não sabia! Perdão! Que vergonha!
Nervosa, agitada, gaguejando, soluçando, desafogava-se no choro e aumentou a velocidade do automóvel. Fiquei apavorado. Poderia haver um desastre, o choque do veículo com outro carro. Pedi, aflito:
-Acalme-se, por favor, diminua a velocidade! Cuidado!
Insistindo muito, consegui quase acalmá-la e fazer diminuir a velocidade, embora continuasse a chorar, mas baixinho. Ofereci-lhe o meu lenço para enxugar as lágrimas e ao chegar na minha casa, não quis cobrar a corrida. Recusei. Mais sossegada, após implorar perdão pela segunda vez, depositou um beijo suave no meu rosto e se despediu com fisionomia triste…
Pois é, amigo leitor, além dessa criatura singular, outra feminista quis me dar uma bofetada: a americana Betty Friedan, fundadora do atuante feminismo moderno. Nascida em 1921, no Ilinois, ela é autora do livro The feminine mystique, publicado no ano de 1963, onde descreve as discriminações de todo tipo sofridas por mulheres dos Estados Unidos, tanto nas escolas como nas famílias, nos empregos. A obra teve larga repercussão, favoreceu a luta das americanas pelo reconhecimento dos seus direitos.
Em 1966, Betty fundou a National Organization of Women, cuja sigla NOW significa “agora”. Ela propôs a Emenda dos Direitos Iguais, a fim de ser inserida na Constituição dos Estados Unidos. Todavia, essa emenda não foi aprovada.
Sob a liderança de Betty Friedan, várias organizações feministas decretaram, em 26 de agosto de 1970, a Greve das Mulheres pela Igualdade. Eis o slogan do movimento:
“Não passe a ferro enquanto a greve estiver quente.”
Milhões de americanas largaram os seus afazeres domésticos, como varrer, lavar, cozinhar, efetuar compras, levar os filhos às escolas, cuidar das necessidades dos lares. Elas percorreram as ruas, as avenidas, as estradas, reivindicando empregos, benefícios, cargos públicos, o direito de abortar, etc.
Quando Betty Friedan veio ao Brasil em 1971, eu, o anti-machista Fernando Jorge, recebi um convite do produtor Humberto Mesquita para a entrevistar na televisão, no programa Xeque Mate do Canal 13, TV Bandeirantes. Esse programa, com duas horas de gravação (e corte de meia hora) foi ao ar na noite do dia 23 de Abril daquele ano. Participaram também da entrevista a escritora Rose Marie Muraro, a atriz Dorinha de Azevedo Marques, o advogado Ângelo Simões Arruda, o juiz Carlos Eduardo Brizolla, da 9ª Vara Criminal da cidade de São Paulo.
Betty, mulher feia, de rosto semelhante ao de uma coruja, tinha cinquenta anos e apareceu no programa ao lado de uma filha adolescente. O que mais me impressionou na figura da americana não foi a sua cara de ave de rapina noturna, o seu nariz recurvo e pontudo de bruxa de Halloween, e sim o rasgo de sua saia vermelha, que ia até a parte mais alta da coxa branca, de uma brancura nojenta, da cor de um leite de cabra azedo. Ela parecia uma velha prostituta escandalosa, despudorada, junto da cândida mocinha loura de quinze ou dezesseis anos.
Houve o momento em que a Betty garantiu: os homens brasileiros dormem, relaxam, descansam, enquanto as suas mulheres suam, trabalham. Perguntei porque ela estava dizendo tal coisa. Respondendo, afirmou que no Rio de Janeiro, ao entrar no barraco de um morro, viu o marido de uma favelada mergulhado num sono profundo, a roncar, e a sua mulher a trabalhar, a preparar o almoço. Reagi, de modo rápido:
-Nesse barraco que a senhora visitou, segundo alguns jornais informaram, o marido da favelada dorme durante o dia porque ele trabalha em todo período da noite, como ferroviário da Central do Brasil. A senhora generalizou. Não é pelo fato desse homem dormir durante o dia, e merecidamente, que todos os homens brasileiros vivem sem fazer nada, enquanto as suas mulheres trabalham.
A gringa com cara de coruja se enfureceu. E rubra de ódio berrou, ou melhor, latiu, que o que eu havia declarado não era verdade:
–A whopping lie! (Uma grande mentira!) A bold-faced lie! (Mentira deslavada!) An out-and-out lie! (Mentira de rabo e cabeça!)
Sem me alterar, retruquei:
–Truth will out (A verdade acaba aparecendo).
Inconformada, Betty Friedan me chamou de “grosseiro” (A rude vulgar person) e desejou que o diabo me carregasse (The devil, the deuce take you!)
Ergui-me, ofendido, e aconselhei-a a ter mais compostura, inclusive junto à sua filha, pois ela, Betty Friedan, estava vestida de maneira indecente. Aquele rasgo na saia, mostrando toda a enrugada coxa branca de quinquagenária, era uma obscenidade, um mau exemplo, um espetáculo repugnante.
A mulher com focinho de coruja não se conteve, mandou-me outra vez para o diabo (Go to the devil!), e no fim da gravação do programa confessou ao jornalista Humberto Mesquita, o produtor do Xeque Mate, que sentiu avassaladora vontade de aplicar em mim “uma tremenda bofetada” (a resounding slap).
Conclusão: apesar de eu não ser machista, duas feministas quiseram agredir a minha cara, a bela taxista e a horrorosa Betty Friedan, verdadeiro espantalho contra a luxúria. Este mundo é um mundo imundo, seu Raimundo! E Montesquieu (1689-1755), o mestre de L’esprit des lois (“O espírito das leis”), acertou de forma plena ao asseverar:
“A injustiça feita a apenas um é uma ameaça a todos”.
(“Une injustice faite à un seul est une menace faite a tous”).