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Vítima de enfarte, Guimarães Rosa faleceu em 19 de novem­bro de 1967, três dias após ter tomado posse na Academia Brasileira de Letras. Posse que ele adiava, por temer a emoção causada pela cerimônia. Eu o conheci em 1964. Nesse ano o seuGrande sertão: veredas” alcançara três edições na Alemanha. E merecidamente, pois Rosa fez, numa obra ím­par, o regional tornar-se universal.

Durante o meu primeiro encontro com Guimarães Rosa, logo depois do golpe de 31 de março de 1964, ele confessou:

-Sabe do que eu tenho medo, Fernando Jorge? É da institucionalização de uma ditadura militar no Brasil.

Perguntei se ele conhecia as palavras lapidares de Rui Barbosa sobre o militarismo, que eu iria colocar no meu livro “Cale a boca, jornalista!” lançado pela Editora Vozes e agora já na quarta edição. O au­tor de “Corpo de baile” explicou:

-Detesto os regimes de arbítrio. Fui vítima de um deles. Quando o nosso país rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha nazis­ta, em 1942, eu era cônsul em Hamburgo. Os seguidores de Hitler me internaram em Baden-Baden e tive, como companheiros de prisão, o embaixador Cyro de Freitas Vale e o pintor pernambucano Cícero Dias.

-E o que aconteceu?

-Senti-me muito deprimido. Mais tarde a Gestapo me liber­tou, em troca de diplomatas alemães. E voltando à vaca fria, como são as palavras de Rui Barbosa sobre o militarismo?

Tirei do meu bolso um papel com estas afirmativas da “Águia de Haia”, que li em voz alta para o Guimarães Rosa:

“O militar é a força obediente. O militarismo, a força dominante. O militar é o soldado servindo. O militarismo, o soldado rei­nando. O militar é a espada sob a lei. O militarismo, a lei debaixo da espada.”

Guimarães Rosa vibrou ao ouvir o juízo de Rui:

-Que maravilha! Imbatível verdade! É isto mesmo! Esse baiano tinha um imenso talento verbal e tais palavras são pedaços de latejante carne viva.

Em seguida, Rosa quis saber:

-Meu amigo, diga-me se eu, nos meus livros, exagerei no emprego de palavras novas, de neologismos.

Respondi:

-O senhor não exagerou tanto como a velha da ladeira.

Ele abriu mais os seus olhos de míope, bem curiosos atrás das grossas lentes:

-Velha da ladeira?

-Sim, aquela velha toda vestida de preto, magrinha, feinha, de pernas e braços fininhos. Ela exagerou, o senhor não.

Mal acabei de dizer isto, ergui-me do sofá e me pus a recitar:

 

“Uma velha muito velha

Foi mijar numa ladeira,

Encheu rios e riachos,

Inundou uma ribeira!

Três engenhos pararam,

Um frade se afogou,

E o diabo desta velha

Ainda diz que não mijou!”

A gargalhada rabelaisiana do Guimarães Rosa, depois de ouvir estes versos populares, continua a ressoar nos meus ouvidos…

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Vítima de enfarte, Guimarães Rosa faleceu em 19 de novem­bro de 1967, três dias após ter tomado posse na Academia Brasileira de Letras. Posse que ele adiava, por temer a emoção causada pela cerimônia. Eu o conheci em 1964. Nesse ano o seuGrande sertão: veredas” alcançara três edições na Alemanha. E merecidamente, pois Rosa fez, numa obra ím­par, o regional tornar-se universal.

Durante o meu primeiro encontro com Guimarães Rosa, logo depois do golpe de 31 de março de 1964, ele confessou:

-Sabe do que eu tenho medo, Fernando Jorge? É da institucionalização de uma ditadura militar no Brasil.

Perguntei se ele conhecia as palavras lapidares de Rui Barbosa sobre o militarismo, que eu iria colocar no meu livro “Cale a boca, jornalista!” lançado pela Editora Vozes e agora já na quarta edição. O au­tor de “Corpo de baile” explicou:

-Detesto os regimes de arbítrio. Fui vítima de um deles. Quando o nosso país rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha nazis­ta, em 1942, eu era cônsul em Hamburgo. Os seguidores de Hitler me internaram em Baden-Baden e tive, como companheiros de prisão, o embaixador Cyro de Freitas Vale e o pintor pernambucano Cícero Dias.

-E o que aconteceu?

-Senti-me muito deprimido. Mais tarde a Gestapo me liber­tou, em troca de diplomatas alemães. E voltando à vaca fria, como são as palavras de Rui Barbosa sobre o militarismo?

Tirei do meu bolso um papel com estas afirmativas da “Águia de Haia”, que li em voz alta para o Guimarães Rosa:

“O militar é a força obediente. O militarismo, a força dominante. O militar é o soldado servindo. O militarismo, o soldado rei­nando. O militar é a espada sob a lei. O militarismo, a lei debaixo da espada.”

Guimarães Rosa vibrou ao ouvir o juízo de Rui:

-Que maravilha! Imbatível verdade! É isto mesmo! Esse baiano tinha um imenso talento verbal e tais palavras são pedaços de latejante carne viva.

Em seguida, Rosa quis saber:

-Meu amigo, diga-me se eu, nos meus livros, exagerei no emprego de palavras novas, de neologismos.

Respondi:

-O senhor não exagerou tanto como a velha da ladeira.

Ele abriu mais os seus olhos de míope, bem curiosos atrás das grossas lentes:

-Velha da ladeira?

-Sim, aquela velha toda vestida de preto, magrinha, feinha, de pernas e braços fininhos. Ela exagerou, o senhor não.

Mal acabei de dizer isto, ergui-me do sofá e me pus a recitar:

 

“Uma velha muito velha

Foi mijar numa ladeira,

Encheu rios e riachos,

Inundou uma ribeira!

Três engenhos pararam,

Um frade se afogou,

E o diabo desta velha

Ainda diz que não mijou!”

A gargalhada rabelaisiana do Guimarães Rosa, depois de ouvir estes versos populares, continua a ressoar nos meus ouvidos…

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