Bom brigador. Com as palavras…

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Bom brigador. Com as palavras...

MÍDIA EM PAUTA:

Fernando Jorge, jornalista e escritor
Por Fábio Pereira

Por trás dos grandes óculos de grossas lentes está uma mente que aos 78 anos de vida se agita como se tivesse vinte Primaveras. Fernando Pedro Alves Jorge é um polemista [articulista que se dispõe a travar grandes duelos através de textos]. E neste jornalismo atual, tão sem notáveis defensores de idéias, tão cheio de “gramaticidas” [segundo Fernando, assassinos da gramática], ele é mesmo um sobrevivente.

Jornalista e escritor com mais de duas décadas de carreira, atualmente publica artigos em mais de quarenta jornais, escreve para a revista Imprensa e recentemente publicou a sétima e mais atualizada edição de sua obra-prima: O Aleijadinho sua vida, sua obra, sua época, seu gênio pela editora Martins Fontes. É autor de mais de trinta livros. Dentre eles, o polêmico Vida e Obra do plagiário Paulo Francis.

Sujeito pacato, cabelos brancos, óculos enormes [já citados acima] e andar tranqüilo, diz, cheio de brandura e sossego, que “idéias só podem ser vencidas por idéias”. Por isso, só briga nos textos. E briga bem. Quando afirma e escreve ser “péssima” a literatura do internacionalmente consagrado escritor Paulo Coelho, por exemplo, faz questão de citar número de página, edição e título do livro do mago. Fernando Jorge não fala do erro. Ele aponta e prova o erro.

Amigo próximo dos dois ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, ambos tendo pedido para que fossem biografados por ele, Fernando Jorge fala com a autoridade e precisão de quem já não precisa ter medo das palavras temíveis que fala e escreve. Entrevistá-lo, escrever sobre ele e imaginar suas vistas atentas, profundamente treinadas pela boa gramática, passeando sobre o texto publicado é de deixar toda e qualquer barriga gélida, com receio das traiçoeiras armadilhas do nosso belo e complexo idioma. “Tem piedade de mim, ó Deus; tem piedade, Fernando Jorge!”

Na revista Imprensa, você denuncia erros de português cometidos pela mídia afora e nós sabemos que a maioria dos brasileiros não domina as complexas regras gramaticais da língua. Na sua opinião, o nosso idioma é um instrumento de dominação?

Hoje esses gramáticos que são mais conhecidos, famosos, como o Pasquale Cipro Neto – que tem grande valor, que é um grande conhecedor do nosso idioma -, eles defendem esta tese: existe a chamada linguagem popular e a linguagem culta, também chamada de linguagem formal. Claro, a língua é um organismo vivo, ela não pode parar de evoluir, tem que receber novos contingentes de palavras, de neologismos, até palavras da gíria. O que eu lamento é que hoje existe muito descuido em relação ao emprego da nossa língua nos meios de comunicação. Há os que defendem, com muito entusiasmo, o emprego da língua popular, prevalecendo em relação à língua culta. Mas eu acho o seguinte: nós todos podemos nos expressar corretamente usando um português bem claro e simples.

Na defesa do português correto, você tem apontado até escritores consagrados cometendo deslizes gramaticais. Um grande nome da literatura que você critica é Paulo Coelho, não é?

O Paulo Coelho já vendeu 75 milhões de livros em 50 países. É um fenômeno. Para explicar o sucesso nacional e mundial do Paulo Coelho, eu salientei o seguinte: [Fernando Jorge lê trecho de um artigo seu publicado na revista Imprensa] “tal fato revela de modo eloqüente que existem hoje em nosso planeta milhões e milhões de leitores primários, desprovidos de cultura, de senso crítico, absolutamente incapazes de analisar, de ponderar e de discernir se um livro apresenta ou não valor literário”. O último livro de Paulo Coelho está abarrotado de erros crassos de português. Há cacófatos, redundâncias, deficiências lingüísticas, frases mal construídas, erros de regência verbal e de colocação pronominal, lugares comuns…

Para muitos, Paulo Francis foi um grande jornalista. Você se opõe a essa opinião, por quê?

Muitos acham que ele [Paulo Francis] renovou a imprensa brasileira com a sua irreverência, com aquele seu espírito satírico, mas outros, como eu, acham que ele foi nefasto para a nossa imprensa, porque escrevia muito mal, na minha opinião; plagiava; apoderava-se de frases alheias e as apresentava como sendo de sua lavra; mostrava-se racista. Ele também pregava a venda de uma parte do território nacional para uma potência estrangeira, queria que a parte da Amazônia do Maranhão fosse vendida.

E por que Francis é tão bem lembrado por muitas pessoas?

Ao mesmo tempo, ele despertava admiração, principalmente nos jovens, porque na época em que ele foi redator d´O Pasquim, até a ação dele, admito, foi benéfica… Foi uma época de repressão, chamada República Militar Autoritária e que a rigor foi uma Ditadura. Mil novecentos e sessenta e quatro não foi uma Revolução, foi um Golpe de Estado.

Diogo Mainardi, colunista da Veja, também tem constado de seus artigos.

[Diogo Mainardi] é um jornalista que eu execro. Eu pretendo lançar um livro com este título: “Diogo Mainardi: o profissional da calúnia”. Eu descobri uma coisa: sabe porque ele adquiriu essa popularidade e é o colunista da Veja que mais recebe cartas? Porque a Veja é uma das maiores revistas do mundo, não resta dúvida, a tiragem dela chega a quase 1 milhão de exemplares… Ora, nesse universo existem milhares e milhares de leitores que odeiam o Lula [presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva] – estou falando isso de maneira imparcial, não quero aqui defender o PT, o Lula – e o Diogo Mainardi fez dos ataques, das agressões ao Lula, a sua nota principal. Ele não pára de atacar o Lula. No livro Arquipélago, Diogo afirmou que todo nordestino é burro, imbecil, incapaz de aprender qualquer coisa. Já declarou que a mulher brasileira geralmente é burra. O que é isso?

Defendendo as suas opiniões, você acha que ao longo da vida conquistou mais amigos ou inimigos?

Os inimigos que eu tenho, se é que os tenho, eu creio que são adversários de idéias literárias. A rigor, não acredito que eu tenha despertado tanto ódio. A não ser os adoradores do Paulo Francis, que não gostam muito de mim (risos).

E como você tem visto o papel da mídia brasileira neste país que desvaloriza tanto a cultura?

Os nossos disseminadores de idéias plantam sementes que não germinam, porque eles não encontram meios de fazer isso. A mídia aqui no Brasil em vez de procurar elevar inteligentemente o nível cultural do povo, faz toda a espécie de concessões aos baixos instintos das massas. É por isso que você vê páginas inteiras sobre crimes escabrosos. A Folha de São Paulo, por exemplo, por esses dias, dedicou uma página inteira para falar do assassino da filha de Glória Perez [o ex-ator da Globo, Guilherme de Pádua]. Para divulgar a cultura, estamos muito carentes.

E os materiais impressos e televisivos culturais?

Eles geralmente são mal feitos, chatos. É preciso apresentar a cultura de maneira simples, agradável, que estabeleça imediata comunicação e isso não acontece. Muitas vezes a cultura se torna no Brasil um sinônimo de chatice devido à falta de talento daqueles que querem divulgá-la. Saiu agora a revista Piauí. Os textos são muito grandes, tediosos. Ela é boa para os leitores insoniosos (risos).

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